segunda-feira, 31 de outubro de 2005

Hvorostovsky: Songs & Dances of Death (Mussorgsky)

Jamais a morte foi cantada com tamanho envolvimento teatral...

A belíssima voz de Hvorostovsky alia-se, desta feita, a uma interpretação memorável deste ciclo de Mussorgsky, subordinado à morte.

Extraordinária necrofilia vocal e teatral... Ora sombrio e escuro, ora sensualíssimo, ora terrificamente sedutor, sempre, sempre impregnado de uma malícia arrepiante, num crescendo absolutamente demoníaco, Dmitri Hvorostovsky canta a morte em toda a sua plenitude.

Nado e criado para interpretar os seus compositores conterrâneos - Mussorgsky, Glinka, Tchaicovsky, etc. - (e Verdi, como aqui se disse) o magistral barítono siberiano, com esta interpretação, acede à categoria de divino, onde Christoff se encontra, há muito...



(Warner Classics 2564 62050-2)

sábado, 29 de outubro de 2005

A propósito de Lucia di Lammermoor: o esplendor da escola americana

A escola belcantista italiana conta com três grandes representantes: Bellini, Rossini e Donizetti.

O belcanto, na sua essência, radica na primazia da ornamentação vocal, em detrimento da interpretação.
Um cantor belcantista, consequentemente, deve possuir uma técnica infalível, a que deve aliar-se uma invulgar agilidade vocal. Dele se exige facilidade na coloratura, termo que sintetiza os requisitos descritos.

O repertório romântico conta com inúmeros papeis tipicamente belcantistas, sobejamente conhecidos e apreciados pelo grande público: Marie (La Fille du Régiment), Arturo (I Puritani), Rosina (Il Barbieri di Siviglia), etc.
Habitualmente, os intérpretes destes papeis contam com o sufixo ligeiro associado à sua tessitura: soprano-ligeiro (ou coloratura, na opinião de alguns) e tenor-ligeiro.

Porém, existem personagens do belcanto que exigem do intérprete mais do que uma técnica primorosa e indesmentível agilidade vocal. É neste âmbito que se destacam algumas figuras donizattianas - Lucia e Anna Bolena - e bellinianas - Norma, porventura a mais exigente de todas elas.

O intérprete destes papeis deve possuir um talento interpretativo robusto e uma mestria vocal desmesurada! Imagine-se uma síntese entre o soprano ligeiro e o soprano dramático!!
É por esta razão que os cantores que abordam estes papeis pertencem à dúbia categoria lírico-spinto (de agilidade) ou dramatico de agilitá.
Exemplos? ...Callas, Sutherland (quando se lembrava de interpretar), Caballé (nos dias em que estava para aí virada), Sills, etc.

Este post surge a propósito deste artigo, que versa sobre uma récita recente de Lucia di Lammermoor, no Met.

Ao lê-lo, recordei algumas intérpretes - todas americanas, voilà! - do papel titular, que tive a felicidade de ver actuar: Swenson (Met, 1999) e Anderson (Bastilha, 2000).
Por muitos anos que viva, jamais esquecerei a Lucia de June Anderson, que vi na récita da minha vida...


(June Anderson, Lucia Assoluta, Bastille, 2000)

A jovem cantora lírica americana Elisabeth Futral surge, agora, na pele desta tremenda personagem. Vi-a, há cerca de seis anos, no New York City Opera, no papel titular da ópera de Moore, The Ballad of Baby Doe... Beverly Sills - primeira intérprete do papel - adorou-a... Não posso dizer o mesmo...


(Ruth Ann Swenson, Lucia di Lammermoor, Met, 1999)


Esta personagem de Donizetti é fascinante, correspondendo ao mas sólido dos retratos cénicos líricos da psicose esquizofrénica. Interpretá-la implica, pois, aceder ao bizarro e dissociado universo da esquizofrenia (vulgo loucura).
Anna Bolena
- do mesmo compositor -, proporciona-nos, em paralelo, um interessante retrato alternativo desta patologia, embora menos esplendoroso.

Por ironia do destino, Donizetti, atingido pela síflis, desenvolveu um quadro psicótico agudo (altamente dissociativo, imagino!), no final da sua curta vida; faleceu aos 47 anos, completamente louco.

Para a posteridade, Callas e Sutherland deixaram-nos múltiplas interpretações. Destacou (da primeira) EMI 7243 5 66441 2 0, pela soberba interpretação e (da segunda) DECCA 00289 410 1932, pela pureza do timbre, e pela solidez do cast - um Pavarotti glorioso, um Milnes de antologia e um Ghiaurov soberano.

L´enfant térrible du violon

O histrionismo nem sempre é inconsistente! Às vezes, é virtuosíssimo...

Me, Myself & I...

Qual Narciso vaidoso, Il Dissoluto Punito remete-vos para algumas linhas que redigiu sobre Don Giovanni, a pedido do caloroso Jacques, do óptimo e divertido DE OPERA E DE LAGARTOS...
(Foi um imenso prazer, Caríssimo Jacques ;-)))))

quarta-feira, 26 de outubro de 2005

Florença revisitada (2)


(igreja Santa Croce)


(Palazzo Vecchio - sede do município de Florença -, visto dos Uffizi)


(Os Uffizi, onde se encontra uma selecção de pintura renascentista extraordinária, nomeadamente as mais emblemáticas representações de Botticelli: A Primavera e O Nascimento de Vénus)


(réplica de David, de Miguel Ângelo, na Piazza della Signoria. O original encontra-se, desde há alguns anos, abrigado na Accademia)


(detalhe do Palazzo Vecchio)


(Perseu segurando a cabeça de Medusa - estátua de Benvenuto Cellini, em bronze)


(transeunte maravilhado com a graça florentina)


(transeunte degustando o mais fantástico gelado que as mãos humanas conceberam, apenas disponível na Gelateria Volvi - Via Isola delle Stinche)

segunda-feira, 24 de outubro de 2005

Fujimura: 8 ou 80

Leio com estupefacção esta crítica à A Valquíria, em cena no Théâtre du Châtelet (encenada por Wilson, expoente máximo do minimalismo cénico), sobretudo pelo interminável elogio dirigido à beleza e prestação vocal de Mihoko Fujimora!

Algures no Verão, escrevi algumas notas sobre Tristão e Isolda, na leitura de Pappano, em cujo elenco figurava a mezzo nipónica, destacando-se - na minha opinião, claro esta! - pela deficiência...

Verdades voláteis num mundo regido pela subjectividade???

sexta-feira, 21 de outubro de 2005

Ainda a Opera Proibita d´A Bartoli

Uff! Afinal, eu e o João Ildefonso não estamos sozinhos!!!

A propósito da técnica da DIVINA Bartoli, neste artigo, pode ler-se "Still, technical aspects of Ms. Bartoli's singing that once seemed acceptable quirks are becoming bothersome."

Obviamente que estas fragilidades técnicas nada mais são do que a prova da humanidade de uma lenda lírica!

Callas e o MET

Callas vs Tebaldi é um assunto menor de um realidade maior: o choque de Titãs, na idade de ouro da lírica

A Callas escreveu sobre o assunto...

Certo, certo é que a primeira «despediu» a segunda do alla Scala. Par consequént, a segunda quis impedir a primeira de actuar no Met!

Mais detalhes sobre o folhetim epistolar entre La Divina e o MET, aqui.

Abbado & Fleming em Sieben Frühe Lieder

Entre os ultra-românticos lieder de Brahms e Wolf e a magistral obra lírica de Berg, Lulu, de sua graça, há um hiato...

Berg compôs, nos tempos de juventude, diversos lieder, que mais tarde vieram a ser agrupados num célebre ciclo designado por Sieben Frühe Lieder.
Este ciclo parece constituir uma verdadeira obra de transição, onde o tradicional-ortodoxo e o moderno-vanguardista se fundem.


(DG 00289 477 5574)
O presente registo constitui (mais) uma interpretação deste soberbo ciclo, a que Abbado volve, com frequência, sempre movido por uma inigualável mestria!
Outrora ladeado por Von Otter (DG 445 846-2) - figura maior da interpretação lírica (e paradigma da arrogância...) -, o maestro milanês faz-se acompanhar, na presente interpretação, por René Fleming. Que ousadia!

Fleming perpetua-se.
Os intelectuais odeiam-na. Acham-na «inexpressiva e superficial», espécie de «loura-burra», epiteto camuflado.
C´est très chic et toujours à la mode... Il faut maudire les «stars»!

Pela parte que me toca, dado que não sou intelectual, continuo permeável à sensorialidade!

Concretamente, no caso específico desta interpretação, n´A Fleming, continua a fascinar-me a nobreza de uma linha melódica única, na actualidade, de uma invulgar elegância, que mantém um registo agudo de um cristalino inabalável, prova de uma técnica estrondosa.
Que prazer... As erecções mentais sucedem-se a um ritmo interminável.

Para ser franco, não sei se a leitura de René Fleming, no caso deste ciclo, é superficial ou menos expressiva...
Verdadeiramente, não encontro grandes disparidades entre as interpretações da norte-americana e de Von Otter, sendo que esta última, na óptica da crítica francesa, constitui uma referência, no que se refere à interpretação dos Sieben Frühe Lieder (vide DG 437 515-2, versão para piano).


Pela volúpia vocal, delicio-me com este trabalho, que escuto infinitamente, desde que o adquiri...

Dito isto, não sei o que fazer disto!!!

quarta-feira, 19 de outubro de 2005

Silent Noon... Forever Terfel!


(DG 00289 477 5336)

Meses volvidos sobre a aquisição deste disco, a ele regresso, a pretexto de uma opinião. Regresso invariavelmente a Terfel, sempre movido pelo deslumbramento. São assim, as figuras maiores...

Terfel consagra este registo, em exclusivo, à English song, abarcando compositores britânicos do final do século XIX. Britten e Vaughan Williams figuram entre os mais destacados, constituindo o segundo um
eterno retorno para o intérprete (vide, nomeadamente, DG 445 946-2).

Não hesito, um segundo, em repetir a minha confessa quase absoluta parcialidade, quando de Terfel se trata.

Para a posterioridade, gravou um Figaro de antologia, sob a direcção de Gardiner (ARCHIV 439 871-2) - a que aludi aqui -, todos os papeis de baixo-baritono de Don Giovanni, qual deles o mais pleno e, num registo diametralmente oposto, dois Jochanaan divinos (DG 431 810-2 e DECCA 444 178-2), para não falar do papel titular de Falstaff, disponível em video (BBC OPUS ARTE OA 0812 D) e cd (DG 471 194-2), cuja interpretação não tem, na actualidade, a mais discreta sombra de rival!
Aos quarenta anos, rien que ça, voilà!

Pelo caminho, ficam momentos menos felizes, ditados pela pressão editorial, que me escuso de elencar... Duos com Celine Dion e Andrea Bocceli... Enfim...

A few post ago, fiz referência a uma extraordinária interpretação de lieder de Schubert, a cargo do barítono galês. Regressando ao domínio intimista da canção, neste registo, uma vez mais, Bryn Terfel transcende-se.

A voz - colossal, mas dócil, cheia e plena, mas invariavelmente delicada -, cujo timbre irradia humanidade, mantém a sua invulgaríssima plasticidade: cada poema, cada canção conta com uma emissão única, ora terna, ora maniforme, ora contida.

Prodigiosa, também, é a expressividade deste interprete, que retrata estados de alma radicalmente dispares como quem muda de roupa: da euforia desconcertante e contagiosa de Money, O! (faixa 24), transita para a absoluta contenção, ditada por The Lord´s Prayer (faixa 25).
Extraordinário, extraordinário, extraordinário!

Aprecio, igualmente, o risco da escolha do repertório, maioritariamente desconhecido do grande público. Ainda assim, o mérito deste registo radica numa soberania interpretativa singularíssima (que deveria fazer escola), apoiada em dotes histriónicos homeopáticos, e veiculada por uma das mais belas vozes de barítono que conheço!

(aqui para nós, se Terfel tivesse nascido há setenta anos, Fischer-Dieskau não teria brilhado sozinho...)

terça-feira, 18 de outubro de 2005

Florença revisitada (1)


(fachada da igreja de Santa Maria Novella)


(detalhe da fachada da igreja de Santa Maria Novella)


(Palácio Spini-Ferroni, em plena Via Tornabuoni)


Um transeunte...


(a célebre Ponte Velha, ao fundo)

segunda-feira, 17 de outubro de 2005

Disse-me um passarinho...


...que a Carmen interpretada pela dupla Bumbry / Vickers merece uma espreitadela!
Pela amostra que pude visionar, Grace Bumbry - a primeira cantora lírica negra a pisar Bayreuth (Vénus, de Tannhäuser, em ´62) - transpira sensualidade! Vickers - tenor spinto (ou Heldentenor) virilíssimo - impressiona pelo arrebatamento de um D. Jose mais dramático do que lírico.


...que estes Pagliacci, que contam com Domingo, pelo pouco que pudemos ver, também merecem uma olhadela mais atenta. O Canio de Domingo é simplesmente magistral!


...que Le Nozze di Figaro, dirigidas por Böhm, parecem conservar a intimidade da ópera de câmara, coisa rara, na actualidade! Salvé Karl.

domingo, 16 de outubro de 2005

Música de Itália

O meu périplo por terras italianas incluiu longas passagens por lojas de música - de que destaco, com particular agrado, RICCORDI, em Florença, e LA FELTRINELLE (de formato idêntico à Fnac, embora com maior requinte!), em Roma .

As ditas passagens saldaram-se em algumas pérolas, nomeadamente três raridades de grandes intérpretes de outrora - Tebaldi e Cossotto:



Esta referência, que não existe fora de Itália - pasme-se! -, inclui raridades tebaldianas inimagináveis, como sejam interpretações de Wagner, em italiano, de Bellini, Bizet, Handel e Mozart, para além dos habituais territórios da soprano italiana (Giordano, Ponchielli, Puccini e algum Verdi).



Um Tancredi com La COSSOTTO no papel titular... Desconhecia a existência desta preciosidade rossiniana!



Um best-of de Fiorenza Cossotto, que inclui encarnações de papeis verdianos, escritos para soprano, e que a fabulosa mezzo jamais ousou interpretar em cena (Abigaille, Amelia - de Un Ballo in Maschera - e Elvira).



Menos raro e precioso, entrou no meu cabaz de compras pela presença de... La Cossotto, voilà!



Hvorostovsky - magistral - interpreta, sob a direcção de Gergiev, o célebre ciclo Songs and Dances of Death, de Mussorgsky.



Uma ampla amostra das virtudes vocais - mais do que interpretativas - da última Turandot que passou pelo TNSC.



A única Medea (de Cherubini) capaz de rivalizar com a mítica interpretação d´A Callas, com a soberba Rysanek no papel titular...

sexta-feira, 14 de outubro de 2005

Regresso

Regressei do meu périplo italiano.
Cresce a convicção de que Florença é a mais bela cidade do mundo.
Será necessário prová-lo?
Para mais tarde, fica a promessa de belas imagens florentinas.

segunda-feira, 3 de outubro de 2005

Firenze... Mozart & Da Ponte, na alma...

Estão consumadas as Nozze di Giovanni!
(nunca achei que Così Fan Tutte...)

Parto rumo a Florença (qual Fausto, com sua Margarida).

Regresso a 13 de Outubro.

;-)