quarta-feira, 17 de maio de 2006

A Palavra e a Lei: a propósito do encerramento das maternidades (portuguesas) e da falha da ordem (em São Paulo - Brasil)

A Palavra - expressão suma da representação simbólica (da capacidade de representar ou, na vulgata, da possibilidade de "fazer-de-conta") - e a Lei são dois dos mais sérios alicerces da identidade humana.

Além de permitir representar (evocar o ausente), a Palavra implica distância e separação.

O domínio da Palavra - do Simbólico, leia-se - ocorre por via do Paterno: a criança que se distancia da mãe, fala, demonstrando, por essa via, que tolera a distância e a separação do primeiro objecto de amor (o objecto materno, tal como o designa a psicanálise).

O acesso à Lei - na sua acepção mais lata - decorre, de igual modo, do Paterno, dado ser o pai quem introduz os primeiros interditos, constitutivos da ordem futura.


Recentemente, são vários os acontecimentos nacionais e mundiais que evidenciam falhas no domínio do simbólico, e bem assim no que à interiorização da lei diz respeito.

De cor, cito a desmesuradamente emotiva discussão em torno do encerramento de maternidades (com poucas palavras!) e a inversão da lógica do poder e autoridade, no Brasil, onde, em São Paulo, a lei (paradoxalmente, pasme-se!) pretende ser imposta pelos que por ela própria foram condenados!

Se é verdade que a celeuma em torno das maternidades a encerrar, geradora de movimentos populares contra esta possibilidade - à parte os argumentos políticos e técnicos - reenvia à intocabilidade do materno - disso mesmo havendo inúmeros outros exemplos: "indisponibilidade" politica para rever a lei do aborto, possibilidade de recuo face à venda livre da pílula-do-dia-seguinte, etc. -, já os recentes acontecimentos ocorridos em São Paulo (onde grupos de condenados se arrogam o direito de instaurar a sua lei, fazendo vacilar o poder politico, soit-disant legítimo e legal) dá conta da falha na integração da lei.

O materno, na sua acepção mais abstracta, goza de uma omnipotência crescente: deteriora-se a palavra e o valor do símbolo, perverte-se a lógica da lei...


Ai de quem beliscar o materno!
[Ou muito me engano, ou o ministro Correia de Campos vai ficar em maus lençóis, se a sua intenção de encerrar algumas das maternidades portuguesas se concretizar...]

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