domingo, 25 de novembro de 2007

Floria Von Karajan


(DECCA 00289 475 7522)

A célebre Tosca de Herr Von Karajan, contrariamente às minhas expectativas, é uma decepção, mal-grado os pontos de interesse.

Von Karajan dirige sumptuosamente uma orquestra magistral – a Filarmónica de Viena -, com elevado sentido teatral. Um destaque particular para o desempenho dos sopros, que conferem uma inusitada grandiosidade à leitura orquestral, à la Wagner.

Price oferece-nos uma Tosca correcta, na interpretação, mas excessivamente convencional. Em nada surpreende, sem sombra de ousadia. Vocalmente, a articulação deficiente torna muito comprometida a prosódia.

Embora Di Stefano esteja numa fase decadente da sua brilhante carreira, por ocasião desta interpretação, considero de um exagero absoluto as críticas destrutivas que se lhe dirigem! Propõe-nos um Cavaradossi arrebatado e poético, obviamente sem a luminosidade de outrora. A voz está, de facto, mais à defesa, atacando os agudos com prudência.

A identificação de Taddei ao perverso Scarpia é total… pena é que o triunfo dramático seja acompanhado por uma decepção vocal: curto em folgo, o barão é ofuscado pela orquestra, que o esmaga amiúde.

Pensava eu que esta Tosca era a maior rival da celebérrima de De Sabata


Em hora de balanço, a meu ver, De Sabata leva a melhor, seguido de Chailly.
Sem hesitações.

21 comentários:

Anónimo disse...

Caríssimo João,
Total desacordo, como era de esperar. Mas aqui é saudável:}
Relativamente à Price e à dita prosódia, não é a primeira vez que leio tal, geralmente na crítica francesa com a qual na maior parte das vezes não me identifico. Acho isso completamente irrelevente, pois gosto muito do timbre da Price e não vejo que afecte os tempos. Ousadia, essa não percebo.
Quanto ao di Stefano, estamos totalmente de acordo. Sobre o potencial vocal do Taddei ser abafado amiude pelo som Karajan, deverei ouvir esta versão novamente, quando estiver perto dela, mas isso só será em Jeneiro e, honestamente, darei a minha opinião. A priori não concordo.
E, como tal, acho esta versão uma alternativa à versão Sabata. Aliás esta opinião é a destilada no Avant-Scene Opera.
Um abraço
Raul

Anónimo disse...

Caros João e Raul:

Esta Tosca foi, para mim, uma descoberta deliciosa. Possuo duas versões com Maria Callas (de Sabata e Cillario) e uma com Price (Mehta). Subscrevo inteiramente as palavras do nosso caro Raul. De facto, o som Karajan é enorme, wagneriano, tal como o João afirmou. Destaco, sem dúvida, os metais, um dos mais portentosos no panorama das orquestras que conheço (a Wiener é, aliás, conhecida também pela majestade dos seus metais). Não obstante a riqueza tímbrica da Price e apesar do declínio vocal de Taddei, este último cantor foi quem me fez apaixonar por esta versão. E conseguiu-o, precisamente, pela prosódia que suplanta, na minha opinião, quaisquer dificuldades que a idade lhe possa ter conferido. Dramaticamente, embora o retrato do vilão seja completamente diferente do alcançado por Gobbi ("Brutalidade total" com Taddei e "Sofisticada Maleficência" como Gobbi), Taddei assume, para mim, a pele de um sanguinário, lânguido e vil ditador, que quase me faz esquecer que está a cantar e não a falar.
Arrisco provocá-lo, amigo João, alterando o título para
SCARPIA VON KARAJAN.

Um abraço a todos.

Filipe

Anónimo disse...

Caro Filipe,
Declínio vocal do Taddei?! Sabe que ele tem apenas 44 anos (muito para si, pouco para mim :{ ), que, nos tempos de hoje não é nada. Eu vi-o no Scarpia em plena forma uns 9 anos depois, Salzburgo e Karajan dirigiu-o no Falstaff (um dos maiores do século)aos 62 em Salzburgo, estreou-se no Met aos 65 no Dulcamara e nem sei quando parou. Os italianos, que naturalmente percebem de ópera italiana, comparavam-no ao Gobbi, que tinha menos voz, mas que a sabia usar genialmente, e diziam que o Gobbi é o nosso barítono de exportação, o Taddei é para nós.
O Taddei, para ano fará 90 anos, é um dos tesouros vivos de Itáliae é vê-lo no Youtube com o maior tesouro de Itália, a Simionato, que com 97 anos dão uma entrevista à televisão italiana. Ela, com uma lucidez impressionante, fala todo o tempo, como é costume nas mulheres:}
Um abraço
Raul

Anónimo disse...

Caro Raul:

Entendeu mal as minhas palavras. Quem falou em declínio vocal foi o nosso amigo Dissoluto. Eu apenas peguei nas suas palavras e referia que, mesmo com os ditos problemas vocais (que pessoalmente não fui sensível a eles), a sua interpretação foi, na minha opinião, genial.

Um abraço.

Filipe

Anónimo disse...

Caro Filipe,
Peço desculpa, mas as suas palavras parecem...
A propósito conhece do Taddei o seu Macbeth em estúdio com a Nilsson e ao vivo com a Gencer? Principalmente este último é de arrebatar. É o melhor que há gravado. Quanto ao Iago nem vale a pena falar. Simplesmente genial. Não se percebe por que razão o Karajan o não foi buscar para uma das suas gravações, principalmente a do par Vickers-Freni, onde o Iago presente não podia ser pior.
Raul

Hugo Santos disse...

Permitam-me a intromissão. O Macbeth do Taddei com a Leyla Gencer em Palermo em 1960 é prodigioso. Basta só recordar a sequência do banquete em que a personagem se depara cm o fantasma de Banquo. Relativamente ao Iago do Peter Glossop, na segunda gravação do Karajan, estou algo em desacordo. Para mim, a gravação apanhou-o num mau dia, vocalmente que não dramaticamente. Basta ouvi-lo no Ernani da RAI de 1969 com a Caballé, o Prevedi e o Christoff para o sentir no seu melhor. Sempre gostei muito do Glossop. Aliás, barítonos como Mario Sereni, Mario Zanasi, Kostas Paskalis, entre outros, são sinónimos de qualidade. Pena que, no seu tempo, não tiveram o devido reconhecimento.

Anónimo disse...

Caro Hugo,
E toda a sequência com as bruxas... Eu quando a ouvi pela primeira vez até fiquei "cansado" pelo peso de tal interpretação. É tremendo o drama, o tormento do remorso e tudo servido por uma voz portentíssima. E quanto à Gencer, não podíamos estar mais bem servidos: verdiana, bel-canto, identificação, tudo o que nos habituou. Na orquestra está Vittorio Gui, a quem Muti referencia como um dos seus mestres, um dos maiores maestros italianos de ópera do século XX.
Como disse vale a pena conhecer o excepcional Iago do Taddei que o gravou para a CEtra numa gravação sem grandes nomes, mas com o Otelo e Desdémona dentro da tradição italiana.
Um abraço
Raul

Hugo Santos disse...

Caro Raul, nem mencionei a cena com as bruxas por dispensa comentários. A Gencer é igualmente fabulosa, como sempre. O Otello também o conheço. Para lá de Taddei, a Cesy Broggini é muito agradável e o Guichandut (o Iago no primeiro Otello de Del Monaco - Buenos Aires) compõe, com toda aquela voz baritonal, um Otello nada desprezível.

Anónimo disse...

Li com atenção os comentários e resolvi partecipar apesar de não ser um extraordinário apreciador da Price. Acho que a Price sempre teve uma dicção um pouco "neblosa" asempre a achei mais à vontade em gravações feitas em contextos Italianos como nos Verdi's da RCA. Por outro lado noto que a Price sempre teve o "fraseado" justo em Verdi, ou seja, dosseia a emissão vocal de forma adequada e exclarecedora da situação dramática o que torna a sua dicção limitada menos importante e determinante. Isto em Verdi, bem entendido, pareçe-me que Puccini vive muito mais da palavra apesar de ser um melodista maravilhoso, por isso sempre achei as interpretações Puccinianas da Price menos satisfatórias do que o seu Verdi.

Um grande abraço.

J. Ildefonso.

Anónimo disse...

Caro Hugo,
Eu tenho esse Otelo e subscrevo a sua apreciação, sobretudo no que refere ao Guichandut. É lógico que o comprei por causa do Taddei. Outra grande interpretação do Taddei e que possuo é o Carlo do Ernani com a esse verdadeiro soprano dramático, hoje esquecida, a Catarina Mancini. Outra interpretação esmagadora do Taddei, a par do Iago, Macbeth e Scarpia, é o Tonio dos Palhaços na versão Karajan. Infelizmente não possuo o seu Rigoletto que a crítica considera dos melhores que há gravado.
Um abraço
Raul

Anónimo disse...

João Ildefonso, meu amigo,
Essa de Puccini viver mais da palavra do que Verdi, não sei... a ver pelo Otelo e, principalmente o Falstaff, essa sua afirmação ... Podemos pensar no Gianni Schichi e no primeiro acto da Boheme até ao Che gelida manina, mas aí Puccini quer continuar a linguagem musical do último Verdi.
Raul

Anónimo disse...

Olá Raúl.

Referia-me essencialmente ao primeiro Verdi como o Ernani ou até o Trovador. Há excepções mesmo nessa primeira fase como o Macbeth mas de forma muito geral acho realmente que o Puccini, tal como todos os compositores da época, vivem mais da "palavra" do que as produções até meados da década de 50.

J. Ildefonso.

Anónimo disse...

Quer dizer que os veristas usam mais o "drama" do que o "melos", sacrificando este àquele? É isso ?
Por exemplo, os versos não se repetem, pois a "veritá", o realismo, assim o impõe.
Raul

Anónimo disse...

Caros amigos:

Concordo inteiramente com o J. Ildefonso. Do ponto de vista estilístico, é precisamente isso que "verismo" quer dizer, não obstante as fabulosas obras românticas com que os compositores como Verdi nos brindaram, quer em termos melódicos, quer em termos dramáticos.

Filipe

Anónimo disse...

O mesmo raciocínio para os compositores posteriores as Verdi, como o foi Puccini. Não nos esqueçamos porém que estas questões não são dicotomizáveis. Na senda da obra Wagneriana, relembro-vos o conceito de OBRA-TOTAL que, entre outras dimensões, procurava combinar a verdade/coerência dramática com a efectividade melódica.

Filipe

Anónimo disse...

Caros amigos,
Agora não posso, mas, pedindo-vos desculpa, confesso que precisava de um bocado de clareza, porque até agora não percebi a vossa ideia.
Raul

Anónimo disse...

Caros João Ildefonso e Filipe,
Em poucas palavras podemos dizer que no Verismo o lado teatral tornou-se proeminente,e a acção, tal como na literatura, devia contar a verdade. Os convencionalismos operáticos (árias, recitativos, duetos,...) fora com eles. Tudo uma longa melodia wagneriana. E, como o Filipe disse, estamos na Arte Total e não num mundo de compartimentos definidos, "melos", drama (palavra), cenografia, ... enfim, Beyrouth. Expliquem-me, por favor, essa predominância da palavra, que eu acho válida para o último Verdi, Gianni Schichi e para a tentativa de alguns compositores italianos do século XX, como por exemplo, Malimpiero.
Raul

Anónimo disse...

Oh Raúl! Eu não sei se me consigo explicar, não sou músico, o que aprendi, aprendi sózinho e muitas vezes as minhas opiniões não passam de intuições provavelmente muito ridiculas aos olhos dum entendido mas pareçe-me a mim que no início do sec XIX a palavra na maior parte das vezes serve unicamente para tornar a acção intelegível e consiste basicamente numa série de situações "standart" para as quais se poderiam encontrar outras palavras retiradas doutra ópera sem dano de maior.... quase como por exemplo na ópera Barroca. No Verdi maduro por assim dizer e com Puccini e alguns outros compositores da Nuova Scuola a palavra pareçe fazer uma unidade orgânica com a música e mesmo a nível de estrutura a aria nasce da acção sem limites muito difinidos como na Buterfly ou Tosca. Não sei se isto faz sentido para si. Talvez quando nos encontrarmos novamente consiga ser mais claro.

J. Ildefonso.

Anónimo disse...

Caríssimo João Ildefonso,
Eu também não sou músico e tudo aprendi por mim e sempre sozinho, eu e a música, eu e as leituras.
Isso faz todo o sentido para mim e é aquilo que por outras palavras e focando outros aspectos eu reverberei. Vejamos, por exemplo e sem contornos, as árias di capo e outras árias, como o Porgi Amore das Nozzi. Uma meia dúzia de versos repetidos, que vêm à frente vêm atrás, servindo a música sem ultrapassarem essa função. Isso no Verismo seria impossível, pois iria contrariar a "verdade", mas isso não quer dizer que a palavra assuma predominância. Onde ela tem verdadeiramente um lugar é, como disse no Otelo e Falstaff. Só Puccini seguiu Verdi no Gianni Schichi, mas esta tendência foi completamente esmagada pelas sonoridades veristas.
Outro tipo de ópera onde a palavra tem lugar e muito forte, como em nenhum, é na ópera francesa. O efeito é fonético, pois a nasalação do ideoma acaba funcionando como um contraponto ao som instrumental. O francês não se dilui nos timbres da orquestra como o italiano.
Raul

Il Dissoluto Punito disse...

Filipe e Raul,

Não fui eu quem falou de declínio vocal! Não ponham na minha boca palavras que não proferi!!!!

Anónimo disse...

João,
Eu sacudo já a agua do capote:} Se ler o que escrevi em nenhum momento me dirijo a si porque Considere que ele está em declínio vocal. Eu sei que criticou o tencial vocal, mas não o associou a um declínio vocal.