segunda-feira, 7 de março de 2011

Boys don't Cry, ossia BORDERLAND


(Hilary Swank como Teena Brandon, em Boys don't Cry)

Em Boys Don’t Cry, aborda-se a problemática da transexualidade, através da recriação da história de Teena Brandon.

No filme, Teena Brandon apresenta uma impressionante perturbação da identidade de género / sexual, que se manifesta – clinicamente - sob a forma da transexualidade. Num corpo feminino, encontra-se uma alma identificada com o masculino.

A personagem, de vida errante – aqui e ali marginal –, decide mudar de terra, instalando-se no Nebraska, onde pretende assumir, em pleno, a sua identidade masculina. Evidentemente, a mudança de terra coincide com um desejo (mágico) de mudança de identidade de género.

Nesta obra notável, de Kimberly Peirce, a perturbação da identidade (nas suas múltiplas expressões: subjectiva, sexual e ou de género) constitui o principal eixo, que organiza toda a trama.

A esmagadora maioria dos demais personagens – particularmente os que constituem o círculo onde Brandon se move, no Nebraska – apresenta características muito afins com a perturbação da identidade, lato senso.

Desde logo, deparamos com dois indivíduos da linha psicopática – John Lotter e Tom Nissen -, cadastrados, errantes e genuinamente anti-sociais, avessos a qualquer sintonia com a mais singela humanidade.

O clima humano restante – potencialmente auto-destrutivo, com muito álcool, fumos, teste de limites, dominado pela impulsividade (corridas de automóveis, que ultrapassam o razoável), errância – poder-se-ia inscrever numa lógica borderline, em termos psicopatológicos.

A dinâmica borderline tem no seu âmago a grave perturbação da identidade subjectiva. O sentimento de ser alguém, estável, inscrito num grupo ou identidade, é profundamente estranho ao indivíduo, que se vive como um eterno estrangeiro, invariavelmente à procura do seu território. Um condenado à procura do seu mundo, dir-se-ia, mais prosaicamente.

O paralelismo da perturbação borderline com a América profunda que o Nebraska – território de fronteira, onde habitam os que se encontram aquém e à margem da normalidade humana - representa, nesta obra, é absolutamente memorável. O Nebraska é uma borderland, terra de desesperança e errância, onde a falta de perspectivas e sobre-vivência dominam. Do mesmo que há uma desinserção essencial na personagem de Brandon, na terra onde decorre a maior parte da trama, a desinserção expande-se e instala-se nos mais recônditos universos: todos experimentam a frustração, o desenquadramento e a insatisfação básica; todos se arrastam e vegetam, procurando(-se) sem sucesso...

Essencial!

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(5/5)

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